“No início tudo é um mar de rosas. Confesso que essa expressão nunca fez tanto sentido em minha vida desde quando eu me apaixonei. No começo foi tudo tão mágico. Os encontros, a vontade de estar sempre perto, a saudade, as declarações. Eu tinha certeza que estava conhecendo o grande amor da minha vida. A cada dia aumentava ainda mais os planos e o desejo de construir um futuro juntos. No entanto, depois de algum tempo as coisas foram mudando. A rotina começou a fazer parte da nossa relação e com ela surgiram algumas discussões por diversos motivos. Quanto mais o tempo passava eu percebia que na verdade eu não conhecia a pessoa que eu tinha ao meu lado. Aquela pessoa que me proporcionou momentos maravilhosos começou a se mostrar um ser agressivo e assustador. Foram muitas brigas. Ele começou aumentando o tom de voz, depois vieram os empurrões até chegar o ponto de ele me bater. A cada marca de agressão em meu corpo crescia ainda mais a vontade de ter aquele ser longe de mim. Minha vida virou um inferno e foi aí que decidi pedir a separação com o desejo de reconstruir a minha história”. Esse é um relato fictício, no entanto, mostra a realidade de cerca de 70% das brasileiras que sofrem algum tipo de violência.
De janeiro a setembro de 2017, a Bahia registrou mais de 37 mil casos de violência contra a mulher. Já em todo o ano de 2016 foram contabilizados 58.744 ocorrências do tipo. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).
Do número total de ocorrências realizadas até setembro deste ano, foram computados 38 casos de feminicídios, e 206 casos de homicídios dolosos, quando há intenção de matar. No mesmo período, também foram contabilizados 304 tentativas de homicídios, 407 estupros, 11.346 lesões corporais e 24.359 ameaças. Desses números, 8.205 casos foram registrados na capital baiana.
O alto índice dos casos de violência contra a mulher é o tema da primeira matéria da série “Entre quatro paredes” do BNews.
“Ela ligou me pedindo socorro. Nesse dia, ela estava trancada no quarto e ele tentava arrombar a porta com uma faca em punho para matá-la. Já cansei de chegar na casa dela e a encontrar com o braço roxo. Desde o início da relação ele era agressivo com ela e, por isso, a família toda era contra o relacionamento. Lutei muito para ela terminar essa relação, mas ela era apaixonada e acreditava na mudança dele”. O desabafo é da servidora pública Almerita Moura, prima da corretora de imóveis Janaína Silva de Oliveira, de 42 anos, morta a facadas dentro do apartamento onde morava.
O caso aconteceu no dia 10 de setembro, no bairro do Barbalho, em Salvador. O corpo de Janaína foi encontrado pela própria filha. Quatro dias depois, o ex-companheiro de Janaína, Aidilson Viana de Souza, conhecido como “Carambola”, 44, foi preso apontado como principal suspeito de cometer o crime.
Adílson foi acusado de feminícidio, que é caracterizado quando a vítima é morta apenas pelo fato de ser mulher, quando ela é subjugada por causa do gênero.
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Outro caso recente de violência contra mulher ocorreu no bairro de Itacaranha, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Uma gestante de 40 anos foi morta a tiros pelo ex-companheiro Antônio Brasilino dos Santos, 42 anos, no dia 26 de novembro. De acordo com a Polícia Militar, Lúcia Gomes dos Santos, que estava grávida de três meses, chegou a ser socorrida para o Hospital do Subúrbio, mas não resistiu aos ferimentos.
A Justiça decretou a prisão preventiva de Antônio, mas ele não foi localizado até a publicação desta matéria. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP).
Já no dia 14 de novembro, a jornalista Daniela Bispo dos Santos, de 39 anos, foi encontrada morta dentro do prédio onde trabalhava como operadora de telemarketing, na Avenida Tancredo Neves.
No mesmo dia, Mateus William Oliveira Alecrim Dourado Araújo, 32 anos, foi preso e confessou ter matado a jornalista a pedradas. Mateus é noivo, mas tinha um caso com Daniela e disse que estava sendo pressionado por ela para que deixasse a companheira.
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Afinal, o que é Feminicídio?
Em março de 2015, foi sancionada também a Lei 13.104/2015: Lei do Feminicídio, termo que caracteriza o homicídio onde a vítima é morta por ser mulher. Para explicar sobre como funciona a lei na forma prática, a reportagem conversou com a advogada especialista em direito penal, Fernanda Ravazzano.
Segundo a advogada, a lei explica que o feminicídio é carcterizado “em casos de violência contra a mulher ou em razão de discriminação ou menosprezo da condição da mulher”. Apesar de não prever apenas casos conjugais, “na prática, a gente só vai ver falando de feminicídio em casos de violência doméstica, onde a maioria das vezes, a mulher já é vítima de agressões e ameaças do companheiro ou da companheira, chegando até o homicídio”, salientou.
Críticas
Apesar de a criação da lei ter sido bastante comemorada por alguns segmentos da sociedade, no campo jurídico divide opiniões. Ravazzano explica que parte das críticas existe pelo fato de que, na prática, a Lei Maria da Penha já abarca o conteúdo do feminicídio: “não precisaria de uma lei nova para dizer que isso [violência doméstica] é feminicídio. Fora que no caso real, o crime se configura por motivo fútil ou motivo torpe que já estão previstos no código penal. Já nos casos de discriminação ou menosprezo já é uma futilidade também e de novo iria repercutir nas hipóteses que já existem no código”, caracterizando o chamado “efeito simbólico” da lei.
A especialista afirma que “não adianta ter uma lei e não ter mecanismos práticos para colocar aquela lei em aplicação”: “às vezes a mulher vítima de violência chega à delegacia e é mal atendida por agentes femininas. Aquela mulher consegue a medida protetiva de urgência, em seguida a viatura vai e retira o agressor de dentro de casa, e no dia seguinte a viatura vai embora. Depois o homem volta para casa e acaba cumprindo a ameaça”, destacou. Diante do exposto, a advogada ressalta: “a lei é recente, mas até o momento não está tendo efeito de ordem prática”, finalizou.
Maria da Penha
Em agosto de 2006, foi sancionada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, destacando as punições para esse tipo de crime. De acordo com o texto aprovado, a lei “cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”.
Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia, o envolvimento em uma relação de maus tratos físicos e/ou mentais, humilhação, chantagem, depreciação, exploração por parte de parceiro ou chefe, negligência ou omissão de cuidados de socorro em casos de doença ou gravidez, cantadas consideradas indecentes ou propostas constrangedoras comprometendo o emprego, são algumas situações que podem ser classificadas abuso ou violência contra mulheres.
Na segunda matéria da série, o BNews ouve a psiquiatra Sandra Peu para traçar o perfil do homem agressor. A especialista também fala sobre as consequências psicológicias para as vítimas.
Unidades de Atendimento à Mulher na Bahia:
Central de Atendimento à Mulher : disque 180
Central de Atendimento à Crianças e Adolescentes: disque 100
Saúde da Mulher: disque 0800 61 1997
Secretaria de Segurança Pública: Disque 3237-0000
DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher:
End.: Rua Padre Luiz Filgueiras, S/N – Engenho Velho de Brotas
Tel.: (71) 3116-7000
End.: Dr. José de Almeida, S/N – Praça do Sol – Periperi
Tel.: (71) 3117-8217 (Plantão)
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher- DEAM- Feira de Santana- Bahia
End.: Av. Maria Quitéria, 841 – Bairro Brasília
Tel.: (75) 3602.9284
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Itabuna- Bahia
End.: Praça da Bandeira, 01 – Centro – Itabuna – BA
Tel.: (73) 3214.7820/3214.7822
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Ilhéus – Bahia
End.: Rua Oswaldo Cruz nº 43 – Cidade Nova
Tel.: (73) 3234.5274/3234.5275
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Vitória da Conquista – Bahia
End.: Rua Humberto de Campos, 205 Bairro Jurema – Vitória da Conquista
Tel.: (77) 3425.8369/3425.4414
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Teixeira de Freitas- Bahia
End.: Rua Nossa Senhora D’ajuda, s/n -Teixeira de Freitas
Tel.: (73) 3291.1552/3291.1553
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Juazeiro- Bahia
End.: Rua Canadá, 38 – Bairro Maria Gorette
Tel.: (74)3611.9831/3611.9832
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Porto Seguro- Bahia
End.: Rua Itagiba, 139- Centro
Tel.: (73) 3288.1037/3288.1037
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Paulo Afonso – Bahia
End.: Rua Nelson Rodrigues do Nascimento nº 92, Panorama – Paulo Afonso
Tel.:(75) 3692.1437/3282.8039/3692.1437
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – DEAM – Alagoinhas- Bahia
End.: Rua Severino Vieira nº 702 – Centro- Alagoinhas
Tel.: (75) 3423.4759/8253/3423.3862
1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar
End.: Rua Conselheiro Spínola, nº77 – Barris
Tel.: (71) 3328-1195/3329-5038
2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, de Salvador – Fórum Regional do Imbuí.
End.: Rua Padre Casimiro Quiroga, 2403 – Imbuí, Salvador
Tel.: (71) 3372-7481/ 3372-7461/ 3372-7460
Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Feira de Santana
End.: Avenida dos Pássaros, nº 94, Mochila
Tel.: (75) 3624.9615/3614-5835
Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – Juazeiro
End.: Rua Carmela Dultra n. 24 – Bairro Centro
Tel.: (74) 3614-2856 / 3612-8928
Vara da Violência Doméstica e Familiar de Vitória da Conquista
End.: Praça Estevão Santos, 41 – Centro
Tel.: (77) 3425-8900