A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (16/10/2025) a sétima fase da Operação Overclean, desdobramento de um inquérito instaurado em dezembro de 2024, para apurar um esquema de desvio de recursos públicos federais, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro envolvendo emendas parlamentares destinadas a obras e serviços municipais.
A ação, deflagrada simultaneamente nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro, foi executada em 16 de outubro de 2025, sob autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), que supervisiona a investigação devido à presença de autoridades com foro por prerrogativa de função, entre elas o deputado federal Dal Barreto (União Brasil-BA).
Nesta fase, foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão, uma medida cautelar de afastamento de agente público do cargo e o bloqueio judicial de valores obtidos de forma ilícita. As ordens foram cumpridas nas cidades de Salvador, Riacho de Santana, Wenceslau Guimarães (BA) e Arraial do Cabo (RJ), com o apoio de auditores da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Receita Federal do Brasil (RFB).
Prefeitos de Riacho de Santana e Wenceslau Guimarães estão entre os alvos da PF
O prefeito de Riacho de Santana, Dr. João Vítor (PSD), foi afastado do cargo por decisão do STF, após a PF identificar indícios de direcionamento de contratos e superfaturamento de obras executadas com recursos federais repassados ao município entre 2022 e 2023.
Já o prefeito de Wenceslau Guimarães, Gabriel de Parisio (MDB), foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo durante o cumprimento de mandado de busca em sua residência, também em 16 de outubro de 2025. A PF apreendeu armas sem registro, dispositivos eletrônicos, planilhas contábeis e documentos de contratos públicos supostamente utilizados para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.
Ambos os prefeitos são investigados por organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitações e lavagem de dinheiro, com base em indícios de participação em um núcleo político que operava em conluio com empresários e intermediários financeiros.
Deputado Dal Barreto teve celular e veículos apreendidos na 6ª fase da operação
Dois dias antes, em 14 de outubro de 2025, a sexta fase da Overclean teve como principal alvo o deputado federal Dal Barreto, flagrado pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional de Salvador enquanto tentava embarcar para Brasília. A abordagem, que durou menos de 30 segundos, resultou na apreensão de seu celular e de dispositivos de comunicação, sob mandado expedido pelo ministro do STF Cristiano Zanin, relator do inquérito.
Em 15 de outubro, agentes federais cumpriram oito mandados de busca e apreensão em Salvador, Amargosa (BA) e Brasília (DF), além de realizar o sequestro de bens e veículos de luxo vinculados ao parlamentar. Entre os alvos estavam Ubaldo Neto e Danilton Oliveira, apontados como operadores financeiros e laranjas do deputado, responsáveis por movimentar valores desviados por meio de empresas de fachada.
Segundo investigações, Dal Barreto teria intermediado, entre 2021 e 2024, emendas parlamentares destinadas a obras municipais, cujos contratos foram direcionados a empresas vinculadas ao grupo criminoso. O parlamentar nega envolvimento e declarou que “as provas demonstrarão a verdade no momento oportuno”.
Histórico da Operação Overclean: fraudes milionárias e uso de “laranjas”
A Operação Overclean foi deflagrada pela primeira vez em 12 de dezembro de 2024, quando a PF cumpriu mandados em Feira de Santana, Amargosa e Salvador (BA), dando início à apuração de um esquema de corrupção envolvendo mais de R$ 80 milhões em recursos públicos.
Ao longo de sete fases, a investigação revelou a existência de núcleos interligados de atuação política, empresarial e contábil, responsáveis por direcionar licitações, emitir notas fiscais falsas e simular concorrência entre empresas em obras de infraestrutura, coleta de lixo e fornecimento de materiais escolares.
Entre janeiro e agosto de 2025, a PF executou cinco fases anteriores que resultaram na apreensão de planilhas com mais de 100 nomes e codinomes, contratos superfaturados e transferências bancárias irregulares realizadas por meio de contas controladas por intermediários.
Os agentes identificaram ainda a participação de empresários de médio porte, assessores parlamentares e consultores contábeis, que recebiam percentuais sobre o valor dos contratos em troca de facilitação de repasses federais.
Empresário “Rei do Lixo” é apontado como articulador político do esquema
As investigações da PF, com base em relatórios da CGU e da Receita Federal, apontam o empresário José Marcos de Moura, conhecido como “Rei do Lixo”, como articulador político e financeiro do grupo.
Entre 2021 e 2023, Moura teria utilizado empresas de limpeza urbana e construção civil para firmar contratos fraudulentos com prefeituras, mediante pagamento de propinas e repasses ilícitos. Ele já havia sido alvo da quarta fase da Overclean, deflagrada em junho de 2025, quando teve R$ 12 milhões bloqueados judicialmente.
De acordo com os investigadores, Moura atuava como elo entre prefeitos, parlamentares e empresários, coordenando licitações combinadas e repasses de valores para campanhas eleitorais.
Materiais apreendidos serão periciados pela PF
A PF informou que todos os materiais recolhidos nesta sétima fase — incluindo computadores, celulares, pendrives, contratos, planilhas e documentos fiscais — serão encaminhados ao Setor Técnico-Científico da Polícia Federal em Brasília, para rastrear o fluxo financeiro dos contratos investigados.
A análise buscará identificar beneficiários finais dos desvios e reconstituir as transações financeiras realizadas em contas de empresas controladas por laranjas e assessores parlamentares.
O relatório conclusivo será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá sobre denúncias formais e novas quebras de sigilo bancário e fiscal.
Impacto político e desafios institucionais
A Operação Overclean tornou-se um dos principais marcos do combate à corrupção municipal na Bahia, pela dimensão dos valores envolvidos e pela conexão direta entre prefeitos, empresários e parlamentares federais. Atingindo simultaneamente poderes locais e instâncias com foro privilegiado, a operação revela o avanço da fiscalização sobre emendas parlamentares, especialmente após o escândalo das chamadas “emendas de relator” (RP9).
A amplitude territorial — alcançando Bahia, Rio de Janeiro e Distrito Federal — indica coordenação interestadual do esquema, com repasses mascarados por contratos administrativos. O envolvimento de figuras públicas de diferentes partidos (PSD, MDB e União Brasil) reforça o caráter suprapartidário da corrupção estrutural no sistema político brasileiro.
A continuidade das investigações sob relatoria do ministro Cristiano Zanin no STF também testa os limites institucionais do combate à corrupção em um ambiente de crescente polarização política e de questionamentos sobre a seletividade das ações penais. Com informações do G1.