Decisão liminar do ministro Flávio Dino barrou mudança no nome da GCM de Itaquecetuba, na Grande São Paulo | Foto: Reprodução

As mudanças nas nomenclaturas e nas atribuições das guardas municipais ganharam um novo capítulo. Uma decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino suspendeu a mudança no nome da Guarda Municipal de Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo, para ‘Polícia Municipal’. Dino, no entanto, chancelou as alterações na legislação daquele município para permitir que os guardas atuem em policiamento preventivo e comunitário — conforme decidiu o STF em fevereiro.

O ministro analisou o pedido liminar pleiteado pela Associação Nacional de Altos Estudos de Guarda Municipal (ANAEGM) contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que suspendeu a troca de nome da guarda municipal. O desembargador Ademir Benedito, do TJ-SP, também tornou sem efeito a mudança na Lei Complementar 308/2019, que acrescentava à guarda a competência para execução de ações de segurança urbana, incluindo policiamento preventivo e comunitário. Para a ANAEGM, a decisão de Ademir descumpria o entendimento firmado pelo STF sobre o tema. O Supremo autorizou, em fevereiro, que as guardas atuem em ações de segurança urbana.A decisão do STF ocorreu no dia 20 de fevereiro e a nova lei de Itaquaquecetuba foi aprovada seis dias depois. O texto mudava o nome da guarda para ‘Polícia Municipal’, baseando a alteração na decisão dos ministros do Supremo.

‘Precedente perigoso’

Dino reconheceu que as guardas são integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e que considera constitucional que esses agentes façam policiamento ostensivo e comunitário. No entanto, o ministro destacou que toda a legislação que se refere às guardas — seja a Constituição Federal ou demais leis, como a do SUSP e o Estatuto Geral das Guardas Municipais — usa a nomenclatura “guardas municipais”.

“Em nenhum momento o texto constitucional confere às guardas municipais a designação de ‘polícia’, reservando essa terminologia a órgãos específicos, como as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civis, Militares e Penais”, escreveu o ministro.

A escolha pela nomenclatura, defendeu Dino, não foi acidental, mas sim uma escolha jurídica e política que reflete a distinção entre os órgãos de segurança pública. “A Constituição é o fundamento máximo da organização estatal, e suas disposições são vinculantes para todos os entes federados, inclusive os municípios”, completou o ministro.

Para Flávio Dino, autorizar a mudança na nomenclatura abriria um “precedente perigoso” e equivaleria a autorizar que Estados e Municípios modifiquem livremente a denominação de outras instituições cujo nome é previsto na Constituição Federal.

Policiamento comunitário

O ministro, porém, se opôs à interpretação do TJ-SP em relação às atribuições das guardas. Dino defendeu que o STF já reconheceu como parte do trabalho desses agentes o policiamento preventivo e comunitário. A Justiça de São Paulo havia barrado esse trecho, justificando que haveria impacto financeiro com essa decisão.

Para Dino, mesmo que haja impacto financeiro diante da execução dessas atividades, “tal circunstância não afasta sua obrigação de estabelecer, por meio de lei, as atribuições da Guarda Municipal em conformidade com a Constituição e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

O advogado e professor Eduardo Pazinato diz que a decisão do STF proferida em fevereiro reconheceu um processo institucional que estava em curso desde 2014 — quando foi aprovado o Estatuto das Guardas Municipais. Eduardo atuou como amicus curiae (pessoa que fornece informações para subsidiar decisões de um tribunal), representando a Associação dos Guardas Municipais do Brasil (AGM) no julgamento da Corte superior.

Militarização das guardas

O Estatuto e o SUSP trouxeram maior segurança jurídica para a atuação das guardas, defende o advogado. Ele avalia que a decisão do STF pacificou os questionamentos feitos por entidades ligadas à Polícia Militar que questionavam as atribuições das guardas. “Ela foi muito importante não por trazer exatamente uma inovação, mas por reconhecer em definitivo os efeitos da repercussão geral para todo o Sistema de Justiça e Segurança Pública, o papel das guardas como polícia, exercendo policiamento ostensivo, comunitário e preventivo no contexto das cidades”, avalia.

David Siena, professor de Criminologia, Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, também vê como positiva uma atuação da guarda no patrulhamento, mas diz que é preocupante a militarização desta força de segurança.

Ponte denunciou que guardas de diferentes municípios têm adotado simbologias, roupas e comportamento que mimetizam a atuação militar. A reportagem também alertou sobre o número de mortes cometidas por agentes. Só em São Paulo, as guardas municipais mataram quase 200 pessoas nos últimos 7 anos.

O professor acredita que as guardas são a força onde há mais chance de se ter uma polícia cidadã. Esse modelo de atuação tem como foco a solução de casos, a elucidação de conflitos, explica. “É claro que nos preocupa essa militarização das guardas. Nós percebemos essa militarização inclusive das polícias que não são militares. É um fenômeno que percebemos na Polícia Rodoviária Federal (PRF) e, de certa forma, na Polícia Civil e na Polícia Federal”, fala David. “A militarização não é uma questão de nome. É muito mais de espírito, de forma de organização, de estrutura”, completa.

MP barra mudanças

A tentativa de mudar o nome das guardas não é exclusiva de Itaquaquecetuba. Em São Paulo, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) tem atuado para barrar prefeituras que aprovam leis neste sentido. Na última semana, uma liminar suspendeu a troca na capital.

A decisão do relator Mário Devienne Ferraz atendeu a pedido feito pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O PGJ defende que, apesar do reconhecimento das atribuições de policiais aos guardas, a decisão do STF não as equiparou às demais polícias.

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