De pé na tribuna, vestindo um terno preto e uma gravata amarela, o deputado federal Antônio Brito retira os óculos do rosto e deixa de lado o papel em que lia o parecer do projeto que criaria a bancada negra da Câmara dos Deputados.

De improviso, lembra um ensinamento de sua avó Edite Brito, mulher negra e semianalfabeta que trabalhou como lavadeira até os 65 anos e que até hoje é uma de suas principais referências.

“Não posso deixar, neste momento, de agradecer muito a uma senhora que me deu muito na minha vida. Ela sempre me dizia que as coisas simples da vida a gente consegue. Isso aqui é um gesto simples, não é nada contra ninguém. Esse gesto é a favor de todos nós.”

Deputado federal desde 2011 pela Bahia, Antônio Brito (PSD), 54, tem suas origens no Recôncavo baiano, região que é berço da cultura afro-brasileira e abriga um punhado de cidades históricas que cresceram no ciclo da cana-de-açúcar e depois enfrentaram um declínio.

Na infância, Brito se dividia entre Salvador e Muritiba, cidade de 28 mil habitantes a 140 km da capital baiana, onde conviveu com a avó em uma casa simples, em meio a outras famílias pobres da região.

Ele é um dos 27 deputados federais que se autodeclararam pretos nesta legislatura, mas a sua militância vai além da questão racial. Seu mandato gira em torno de três temas: o apoio às Santas Casas e hospitais filantrópicos, a luta pela erradicação da tuberculose e as relações bilaterais entre Brasil e Portugal.

Formado em administração de empresas, atuou como gestor de entidades dos segmentos da saúde e ação social. Foi presidente do Conselho Nacional do Assistência Social durante os governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). Mais tarde, assumiu a Confederação Nacional das Santas Casas.

Sua trajetória na política começa em 2009, em Salvador, como secretário de Trabalho e Assistência Social na gestão do então prefeito João Henrique Carneiro (MDB). Na época, seu pai, Edvaldo Brito, era o vice-prefeito.

Deixou o cargo na prefeitura em 2010, quando foi eleito deputado federal pelo PTB em uma chapa liderada por Geddel Vieira Lima (MDB), em oposição ao governador Jaques Wagner (PT).

Reeleito em 2014, tornou-se parte da base aliada do governador Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil, com quem construiu uma relação próxima. Migrou para o PSD em 2016.

Em seu quarto mandato como deputado federal, ganhou espaço dentro do PSD e caiu nas graças do presidente nacional do partido, Gilberto Kassab. É líder da bancada da sigla pela terceira vez e é apontado como possível candidato em 2025 à presidência da Câmara.

Ao ser questionado sobre o assunto, evita uma opinião mais assertiva: afirma que o debate sobre a sucessão só deve ganhar tração no segundo semestre de 2024 e que uma possível candidatura dele ao cargo não seria um desejo pessoal, mas uma demanda da bancada do PSD.

Ele ainda lembra que o PSD apoiou em 2021 e 2023 a eleição para o cargo de Arthur Lira (PP-AL) e mira uma gestão de continuidade, ao afirmar que o próximo presidente da Câmara precisa ter habilidade de interlocução, firmeza e capacidade para “preservar as conquistas” da gestão atual.

Brito é conhecido por ser discreto e conciliador, características que o fazem ter trânsito fácil entre colegas de diferentes matizes ideológicas. Por outro lado, sua serenidade contrasta com o perfil mais incisivo de alguns dos últimos presidentes da Câmara, o que gera resistências de alas mais fisiológicas da Casa.

Ao rememorar sua trajetória política, Brito se define como um político de centro, mas atento às causas sociais e raciais. Na Câmara, tem na deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) uma de suas principais referências: “Ela talvez tenha sido, dentro da Câmara, minha maior parceira na construção de projetos”.

Outro farol é o pai, o professor e advogado Edvaldo Brito, 85. Vereador em Salvador há três mandatos, ele foi prefeito biônico em 1978 e 1979, indicado pelo então governador Roberto Santos (MDB). Foi o primeiro –e até hoje único— prefeito negro de Salvador, a capital mais negra do país.

Advogado tributarista, Edvaldo Brito foi a primeira opção quando Lula decidiu indicar um ministro negro para o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2003. O jurista chegou a ser sondado, mas já havia completado 65 anos, superando a idade máxima para indicação ao cargo.

Distante de cargos executivos desde 2010, Antônio Brito também é citado como possível candidato a prefeito em 2024 em Salvador e Jequié, cidades que são suas principais bases eleitorais.

Na capital, Brito tem uma atuação política mais discreta na oposição à gestão do prefeito Bruno Reis (União Brasil), com quem tem relação cordial. Por outro lado, atua de forma mais assertiva em Jequié, cidade do sudoeste baiano.

Em outubro, ele se estranhou com o prefeito Zé Cocá (PP) em uma solenidade na cidade com a presença do governador Jerônimo Rodrigues (PT). Irritado, desferiu impropérios contra o adversário local, surpreendendo até mesmo aliados acostumados com a postura calma do deputado.

Aliados, contudo, afirmam serem remotas as chances de Brito disputar as eleições municipais em um momento de atuação mais voltada para o Legislativo.

Nos últimos meses, o deputado se debruçou na articulação para criar a bancada negra na Câmara e foi o relator do projeto que foi aprovado. Diversa, a nova bancada terá 122 deputados de partidos que vão do PSOL ao PL.

“Foi um sinal importante para o país. É fundamental que a população brasileira, negros e brancos, estejam juntos no combate ao racismo. Não pode haver dissensão sobre isso”, afirma o deputado, destacando que a iniciativa mostra comprometimento da Câmara com a questão racial.

Em sessão solene no Dia da Consciência Negra, no último dia 20 de novembro, Brito adotou um tom conciliador, mas cobrou mecanismos que reduzam a sub-representação e ampliem a presença no Congresso de parlamentares pretos e pretas.

“Nesta Casa, nós somos iguais, negros e brancos. Mas temos a consciência da falta de oportunidade que os negros e mulheres têm sociedade brasileira. Nós temos a consciência da sub-representação política que nós temos nesta Casa.”

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